Como o Brasil pode – e deve – se inserir na corrida industrial “verde” lançada por EUA e Europa
Depois da entrada em vigor do Inflation Reduction Act nos Estados Unidos, com subsídios e incentivos bilionários (US$ 370 bi) para a indústria “verde” americana, a União Europeia reage na mesma moeda injetando o viés industrial do seu Pacto Verde. Os mecanismos europeus de financiamento devem ser definidos até junho. A corrida dos países desenvolvidos rumo à redução da dependência da China e de energias fósseis, em especial o petróleo, tende a impulsionar a movimentação dos investimentos nesse sentido no resto do planeta.
O mundo empresarial e financeiro acordou de vez para o tema, e as políticas públicas agora confirmam essa mudança, observa Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyau e um peso-pesado da promoção de práticas sustentáveis junto a algumas das maiores companhias do Brasil, como o frigorífico Manfrig.
“Isso que está acontecendo agora é reflexo desse amadurecimento, que é lento. Não é assim: acabou a Conferência de Paris, vamos todo mundo mudar. Acho que estamos vivendo um componente que é o risco de não fazer, do ponto de vista de gestão do capital”, salienta Waack. “Não é nem o risco climático ainda. Mas, do ponto de vista do capital, não há mais alternativa. Esses fundos têm visões de longuíssimo prazo e eles falam que se não fizerem nada, estarão comprometendo o capital de longo prazo. Os fundos de pensão, principalmente, têm esse olhar, e eles não podem simplesmente ignorar.”
Trocar agricultura por energia
O Brasil desfruta de uma posição privilegiada neste contexto: ao contrário dos americanos ou europeus, o país já tem 48% da matriz energética de fontes renováveis, parcela sobe para 82% na matriz elétrica. Os investimentos verdes representam, portanto, uma oportunidade de mudanças estruturais no sistema de produção brasileiro, com possibilidades para uma nova política industrial de norte a sul do país.
No nordeste, por exemplo, o sol deixa de ser um problema para a agricultura e se soma às soluções energéticas, agora que as plantas solares, mas também as eólicas, estão mais competitivas. “Sol demais agora é solução, não é verdade? O cara fica tentando todo ano plantar para colher e quase nunca consegue porque não choveu”, comenta o economista Marcel Bursztyn, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UNB e um dos maiores especialistas do país no tema. “Ora, em vez de ele plantar mandioca, feijão, milho, planta energia, literalmente”, diz, frisando que o investimento painéis solares é amortizado em cinco anos.
Reciclagem deficiente e economia florestal
Outro caminho pronto para ser explorado é a profissionalização da indústria da reciclagem, que segundo Bursztyn, beneficiaria em torno de 1 milhão de pessoas que hoje operam no setor, a maioria informais. E sem falar no desenvolvimento de novas frentes, como o de desconstrução e recuperação de infraestruturas e embarcações. O exemplo do recente afundamento do porta-aviões São Paulo pela Marinha brasileiro evidenciou a ausência de um setor de reaproveitamento de grandes estruturas no Brasil.
No agronegócio, motor do PIB brasileiro, as possibilidades também são diversas, a começar por aumentar a produtividade da agricultura sem degradação ambiental. A queda do desmatamento é a medida mais urgente para descarbonizar a economia brasileira.
“Para promover a economia verde e colocar o Brasil na posição de realmente aproveitar as oportunidades que tem – e que nenhum outro país tem, nem igual nem parecido –, terá que primeiro resolver a questão do desmatamento. E a solução do desmatamento vai ter que ser via a criação de alternativas econômicas para uma faixa da população que não tem acesso a nada”, salienta Roberto Waack. "Provavelmente vai passar pela chamada economia da conservação, com pagamentos por serviços ambientais, e algo na linha da bioeconomia, que nós não sabemos direito o que vai ser, mas essa é mais ou menos a zona do campo do investimento nessa frente."
Marcel Bursztyn acrescenta que o agro também tem amplo espaço para explorar na transformação das matérias-primas. “Agregar valor à soja brasileira que é exportada – em vez de exportar grão, exportar produtos processados – é uma indústria. Você economiza transporte, fretes navais, e em vez de exportar um navio cheio de soja, você vai exportar um navio cheio de produtos processados, com muito maior densidade de valor”, observa.
BNDES “verde”
O BNDES, impulsionado com a troca de governo, deve desempenhar papel-chave para financiar projetos de infraestrutura que tenham foco no viés ambiental. Ao tomar posse da instituição, Aloizio Mercadante prometeu um banco “verde, inclusivo, tecnológico, digital e industrializado”. Não à toa, dois renomados especialistas em clima, o cientista Carlos Nobre e a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, foram nomeados para o conselho de administração do BNDES, que conta ainda com a ex-CEO do Natixis, Luciana Costa, como nova diretora para infraestrutura, transição energética e mudanças climáticas.
Em um evento no começo de fevereiro, ela declarou que o mundo está “vivenciando a revolução industrial da economia de baixo carbono”, e o Brasil tem muito potencial por ter uma estratégica combinação entre potência energética e potência florestal”.
Na Europa, o plano industrial do Pacto Verde vai ditar as linhas de uma nova política industrial no bloco para a transformação da matriz energética, com foco na fabricação de semicondutores, baterias, matérias-primas críticas, como o lítio, e o desenvolvimento de tecnologias limpas. O orçamento estimado é de US$ 350 bilhões, que devem sair sobretudo de receitas já existentes.